Quando o avanço da ciência está de mãos dadas com a conservação das espécies
A confirmação da primeira gestação resultante de fertilização
in vitro (IVF) em Rinoceronte-branco-do-sul,
Ceratotherium simum simum, é um marco de grande importância na história da reprodução assistida em espécies ameaçadas, e devolve alguma esperança à conservação dos Rinocerontes-brancos-do-norte,
Cerotheterium simum cottoni, uma subespécie que sobrevive hoje com apenas duas fêmeas no Quénia: Najin e Fatu.
Desde o final dos anos 90, os especialistas do IZW-Berlim e do Biorescue Project têm trabalhado intensamente com a comunidade mundial de zoos, para desenvolver conhecimento e técnicas especializadas que possam ser empregues numa abordagem holística à conservação de espécies ameaçadas. Este é o caso dos rinocerontes, em que todas as espécies estão ou estiveram ameaçadas de extinção nas últimas décadas, e que têm vindo a recuperar com base em múltiplos esforços de conservação.
No início deste ano, foi reportado o sucesso de uma transferência embrionária num Rinoceronte-branco-do-sul no Quénia, com um embrião desenvolvido
in vitro na Europa a partir de sémen e oócitos recolhidos em Rinocerontes-brancos-do-sul que vivem em zoos na Bélgica e na Áustria. Este avanço é de grande importância porque é um dos últimos passos, e um dos mais exigentes, para o desenvolvimento potencial de crias de Rinoceronte-branco-do-sul, uma subespécie funcionalmente extinta, para a qual esta é a última hipótese de resgate.
Para chegar a este ponto foram necessários muitos anos de trabalho colaborativo que permitiram aos médicos veterinários especialistas desenvolver as várias técnicas utilizadas neste processo: estudo da fisiologia feminina e masculina da espécie, estimulação hormonal, recolha de sémen, inseminação artificial, recolha de oócitos, desenvolvimento de embriões através de IVF e ICSI, e por fim transferência de embriões com um resultado positivo de uma gestação confirmada. Este esforço só é possível com envolvimento de muitas pessoas e muitos rinocerontes sob cuidados humanos na Europa, América, e Austrália, que usufruem do melhor acompanhamento médico e técnico em instituições zoológicas como o nosso, e onde há recursos e dedicação à conservação de espécies ameaçadas de extinção.
Os Rinocerontes-brancos-do-norte eram, na primeira metade do século XX, a subespécie mais abundante de Rinoceronte-branco em África. A partir das décadas de 1960/70 os seus números reduziram de forma drástica devido a conflitos armados e caça, até ser reconhecido como extinto em meio selvagem em 2006. Os últimos indivíduos da subespécie encontravam-se então em duas instituições zoológicas, uma nos Estados Unidos, e uma na República Checa. Foram esses animais do zoo Dvúr Králové na República Checa que foram transferidos para o seu habitat natural no Quénia, e onde foram depositadas as últimas esperanças de recuperação da subespécie.
A preservação de material genético de espécies ameaçadas é outra das contribuições das instituições zoológicas que têm, ao longo de décadas, reunido amostras de múltiplos indivíduos de espécies ameaçadas ou mesmo extintas na Natureza, e a partir das quais poderemos recuperar variabilidade genética perdida no decorrer do evento de extinção em massa que vivemos atualmente.
Rafaela Fiúza
Médica Veterinária e Curadora, Jardim Zoológico
22 de Setembro de 2024